Artigo

Rui Barbosa, Albert Einstein e Zefa do Pau

Publicação original: 2006por Joel Rufino dos Santos

O ano de 1919 teve pelo menos dois fatos interessantes. Primeiro: Rui Barbosa acabou com as classes do Brasil. Candidato à presidência da República, discursou assim na Associação Comercial: "Não me agrada, senhores, esse nome de classes. Como classes, numa sociedade nivelada, onde os próprios vestígios da escravidão se vão diminuindo na fusão de todas as raças? Como classes, no Estado legal de direitos, onde hierarquias e dignidades se oferecem a todos os indivíduos, sem acepção de nascimento, cor ou herança? O vocábulo soa mal porque favorece equívocos, invejas, rivalidades e melhor seria, destarte, removê-lo de uma aplicação inconveniente."

O segundo fato foi a expedição científica para testar a Teoria da Relatividade Geral de Einstein. Sobral, hoje segunda cidade do Ceará, e a Ilha do Príncipe, na África Ocidental, foram as escolhidas.

A hipótese de Einstein era revolucionariamente simples: o formidável campo gravitacional criado pelo Sol deveria desviar a luz das estrelas posicionadas nas suas imediações. Fotografavam-se essas estrelas durante o eclipse, e depois dele; se elas então aparecessem noutra posição, era que a gravidade do Sol havia desviado o trajeto da luz.

Na Ilha do Príncipe a experiência fracassou. O céu se cobriu de nuvens feias. Fizeram apenas duas fotos. Mas aqui, a noite de 29 de maio de 1919 foi linda, fizeram sete boas tomadas. Eis que, no glorioso Ceará, a nova teoria da gravitação substituiu de vez a que havia sido proposta por Isaac Newton no século 17.

Sobral se chamou, até 1842, FIdelíssima cidade Januária do Acaraú. Lá estão até hoje outros nomes antigos e lindos, como Beco do Cotovelo, Capela da Mãe Rainha. A própria teoria de Einstein, quando Sobral não passava de dois mil habitantes, teve na boca do povo nome poético. No lugar de se dizer Teoria da Relatividade Geral, era Teoria sobre o Peso da Luz.

Um dos ilustres filhos de Sobral (não foi Belchior, nem Renato Aragão, nem um dos falecidíssimos Domingos Olímpio ou Padre Ibaipina) me contou a seguinte história. O astrônomo inglês Charles Davidson, chefe da expedição científica, no dia do eclipse ansiosamente esperado, quis comer um prato da terra. Das várias opções, injustamente recusou a buchada de bode, preferindo rabada com agrião, mais leve.

Contrataram Zefa do Pau, a melhor cozinheira no raio de muitas léguas. Convivas e poetas locais, recém-promovidos a cientistas, sentaram numa tenda sob calor de 40 e tantos graus. Zefa só não podia servir, não tinha classe. Foi embora pra casa. Também não quis ver o eclipse, por razão metafísica. Só no outro dia, tarde para protestos, vem a saber que o camareiro de Davidson, por ignorância ou má-fé, jogou no lixo os talos do agrião, só deixando vir à mesa as mirradas folhinhas da verdura que ela buscou tão longe.

Tinha razão o Rui Barbosa, Águia de Haia, em abolir as classes.

topo
Inicial | Blog | Biografia | Bibliografia | Prêmios | Livros | Artigos | Fotos | Vídeos | Entrevistas | Sua Mensagem
Desenvolvido por Carlos Aquino